
Mel Lisboa traz para o Rio o musical que celebra a vida e a obra de Rita Lee, após estrondoso sucesso em São Paulo
Com sua carreira até alguns anos ainda marcada pelo seu primeiro papel na TV, a minissérie “Presença de Anita”, exibida em 2001, Mel Lisboa estreia este mês no Teatro Casa Grande o espetáculo “Rita Lee – Uma Autobiografia Musical”, incorporando com impressionante fidedignidade essa extraordinária personagem, fazendo o público acreditar piamente que a roqueira paulistana ainda está entre nós
Depois de ser assistido por quase 90 mil espectadores em São Paulo, o espetáculo musical “Rita Lee – Uma Autobiografia Musical” chega ao Rio, com estreia no dia 26 de junho no Teatro Casa Grande. Nessa montagem, a atriz gaúcha Mel Lisboa interpreta com espantosa verossimilhança a inesquecível roqueira paulistana, numa encenação que mistura história e hits como “Menino Bonito”, “Ovelha Negra”, “Todas as Mulheres do Mundo” e “Mania de Você”.
No palco, Mel impressiona a plateia com sua personificação de Rita — personagem que ela já havia encarnado na TV (na minissérie “Elis: Viver É Melhor que Sonhar”, de 2019) e em outra peça teatral – “Rita Lee Mora ao Lado” – que foi assistida pela própria cantora em 2014. Sua atuação no musical que agora estreia no Rio lhe rendeu o Prêmio Shell de melhor atriz em 2025.

foto Mauricio Nahas
Com 43 anos e dois filhos adolescentes, a atriz tem uma carreira muito profícua e eclética no cinema (com filmes como “Cães Famintos”, “Atena” e “Conspiração Condor”, que deve estrear só em 2026), no teatro (com interpretações marcantes em peças como “Misery”, “Peer Gynt” e “Dogville”) e no streaming (com participações em produções como “Maníaco do Parque”, da Amazon Prime Video, “Coisa Mais Linda”, da Netflix, e “A Vida Secreta dos Casais”, da HBO Max).
Em conversa com a reportagem da 29HORAS realizada bem no dia em que fãs lembravam os dois anos da morte de Rita, a emocionada Mel Lisboa falou sobre sua afinidade com Rita, seus projetos como produtora e outros trabalhos no teatro, como “Madame Blavatsky – Amores Ocultos” –, monólogo que ela também vai encenar durante esse seu breve retorno ao Rio, onde viveu entre os anos de 2000 e 2004. Confira nas páginas a seguir os principais trechos da entrevista.
Qual a sua explicação para esse sucesso todo de “Rita Lee – Uma Autobiografia Musical”?
Não existe uma explicação. Um sucesso dessa magnitude se dá por causa de muitos acertos simultâneos. Não é só em razão do texto afiado, da direção precisa, da trilha sonora fantástica, do elenco entrosado. O sucesso se deve ao inexplicável. Não existe uma fórmula para agradar crianças, adultos, idosos, fãs da Rita e gente que nunca se ligou muito no trabalho dela.
A montagem carioca vai ser idêntica à paulistana?
Absolutamente idêntica. Tudo igualzinho.

A atriz Mel Lisboa na pele da eterna Rita Lee, no espetáculo “Rita Lee – Uma Autobiografia Musical”, que chega ao Rio este mês – foto Priscila Prade
E o que mudou desde a estreia, em abril do ano passado em São Paulo, até hoje? Dá para dizer que é um espetáculo mutante?
Todo espetáculo é mutante e evolui com o tempo. O teatro é vivo, é orgânico. Quando a gente estreia, o espetáculo está ensaiado, mas não está pronto. Ele só fica pronto mesmo quando entra em cartaz e conta com a energia dos espectadores. A plateia é um agente ativo na evolução da montagem. Com os feedbacks que recebemos, fazemos pequenas mudanças e adaptações na luz, no figurino, na movimentação e até no texto. E, com o tempo, os atores também vão ficando mais à vontade. Hoje, por exemplo, eu brinco muito mais com a plateia do que nas primeiras apresentações. E eu sei muito bem o que funciona e o que não funciona nessa interação.
A própria Rita não teve a oportunidade de ver o espetáculo, mas o que o Roberto de Carvalho achou da montagem?
Ele ficou muito feliz. Se emocionou muito. Ele já havia acompanhado um dos nossos últimos ensaios e, na nossa estreia, ele foi com a família inteira. Gostei muito quando ele me disse que a nossa montagem estava do jeitinho que a Rita gostaria que sua autobiografia fosse encenada.
O que você e a Rita têm em comum? E o que você absorveu da Rita e incorporou ao seu jeito de ser, ao longo desse último ano de “convívio” tão intenso com ela?
Nós duas somos capricornianas e temos em comum várias características típicas das pessoas desse signo. A Rita me ensinou e me ensina um monte de coisas todo dia. Eu queria ser mais como a Rita, mas não é fácil ser parecida com uma pessoa tão ‘fora da curva’. Ele era uma mulher muito inteligente, rápida, irreverente e debochada. Eu tento ser como ela, é uma grande inspiração para mim, mas eu tenho meus limites…

foto Priscila Prade
O que foi mais difícil na hora de criar a sua Rita? Cantar foi um desafio ou você ficou à vontade, já que atuou em outros musicais?
Nunca fico à vontade cantando! O ideal seria se eu cantasse igual à Rita, mas nossas vozes são diferentes. Então eu tento reproduzir a música da voz dela, o jeito dela falar, o sotaque diferente do meu. Uma vez, recebemos na plateia um grupo de pessoas com deficiências visuais que são fãs da Rita. Eu fiquei preocupada, pois muito da minha composição vem do figurino, da caracterização, mas isso eles não enxergam. Aí, no final, uma garota desse grupo me disse uma coisa linda, que me deixou comovida. “Eu não via a Rita, mas eu ouvi a Rita”, disse ela. Voltei para casa com aquela sensação de missão cumprida.
Depois de interpretar a Rita Lee no palco e no cinema, não tem receio de ficar estigmatizada como “aquela atriz que é cover da Rita Lee”?
Minha trajetória foi marcada por duas personagens muito fortes – a Anita de “Presença de Anita” e a Rita Lee. Eu tive algo que muitos passam uma vida inteira sem ter. Me sinto uma privilegiada! E, a propósito, para mim não é problema nenhum ter a minha imagem associada à da Rita. Muito pelo contrário. Me sinto muito honrada!
Por falar nessa outra personagem forte da sua trajetória, durante anos você foi conhecida como a moça de “Presença de Anita”, mesmo depois de vários outros trabalhos. Isso te incomodava?
Quando eu te digo que me sinto privilegiada e honrada de ver a minha imagem e o meu nome associados à Rita e à Anita, essa é uma visão que tenho hoje. Até alguns anos, isso era de fato um problema, eu me questionava muito se isso era bom ou ruim, se eu havia cometido algum erro ao aceitar esses papeis. Não foi um processo fácil e suave essa mudança de pensamento, mas o fato é que hoje isso não é mais uma questão na minha cabeça. Estou muito bem resolvida com minhas escolhas.

foto Priscila Prade
Quando foi que você deixou de priorizar a TV e veio para São Paulo fazer teatro e se tornar uma musa da cena alternativa, com peças de baixo orçamento, mas muito bem recebidas pela crítica, como “Após a Chuva”, “A Boca do Lixo”, “Luz Negra” e “Cenas de uma Execução”?
Morei no Rio até 2004, onde fiz várias novelas. Em 2003 fui fazer uma peça em São Paulo e logo me identifiquei com a cidade e me encantei pelas pessoas e pelo jeito que as coisas funcionavam por lá. Aí me mudei definitivamente em 2004 e, aos poucos, fui tendo a oportunidade de trabalhar e aprender com grandes diretores e atores. Um dia, percebi que não era mais uma forasteira, eu já me sentia perfeitamente inserida na cena teatral paulistana. Hoje, de fato, sinto que pertenço a esse lugar.
Ultimamente você vem assumindo a função de produtora. Como é produzir cultura em um país que não a valoriza.
É sempre difícil, né? Precisa ter muito amor pelo teatro para entrar nessa atividade. Para mim esse foi um caminho natural. Assim como outros tantos atores e atrizes, também quero ser dona dos meus projetos. Mas isso não significa que eu não quero mais trabalhar para outros produtores, realizadores. Eu só quero que essa seja mais uma alternativa para mim, sem impedir ou anular a minha participação em projetos capitaneados ou produzidos por outras pessoas. A ideia é ampliar o leque de possibilidades, não restringi-lo.
Me fale de “Madame Blavatsky – Amores Ocultos”, peça que você produziu e vai encenar no Rio paralelamente ao musical sobre a Rita Lee?
No Rio, “Madame Blavatsky” terá apenas quatro apresentações, em noites de quarta-feira, no Teatro Prio, no Jockey Club. Se der certo, depois a gente pode voltar à cidade para uma temporada de verdade. É uma peça que brinca com os limites da ficção, investigando convenções da representação teatral e simulando, através do texto, uma incorporação mediúnica. Em cena, o espírito de Helena Blavatsky, fundadora da Sociedade Teosófica, exige retornar a um teatro, utilizando-se do corpo de uma atriz, para colocar a sua controversa história em pratos limpos.

A atriz em cena do monólogo “Madame Blavatsky – Amores Ocultos” – foto Gatú Filmes
Helena Petrovna Blavatsky foi uma mulher bem menos solar e bem mais introspectiva que a Rita Lee. Tem sido difícil incorporá-la no palco? E, neste caso, o termo “incorporar” está em seu sentido bem literal, já que você encarna o espírito dela na peça, não?
A Rita e a Blavatsky são diferentes, mas conectadas em muitos aspectos. Ambas são meio bruxas, e as duas, por serem capricornianas, têm em comum muitas das características típicas das pessoas desse signo. E as duas morreram no mesmo dia, 8 de maio, olha só! A peça tem muito metateatro, o tempo todo a gente fala do ato de fazer teatro. E, ao contrário do que acontece com o musical da Rita Lee, eu não preciso tentar falar ou me mexer como a Blavatsky. Ninguém sabe como era a voz dela, como se movia, qual era o seu gestual. Ela morreu em 1891, tudo o que temos dela são seus escritos e algumas fotos. Eu me sinto muito livre para interpretá-la. Aliás, eu não a interpreto, no palco eu sou a Mel encarnando o espírito dela.
Trazer uma mulher ucraniana aos palcos nesse momento foi uma escolha intencional por causa da situação do país, invadido pela Rússia desde 2022?
Não. A primeira vez que encenei essa peça foi como solo on-line, na pandemia, quando os teatros estavam fechados. Foi antes do início dessa guerra.
Quais outras mulheres poderosas você gostaria de viver no palco?
Várias outras, felizmente! É difícil enumerá-las. Mas digo que Medéia [de Eurípedes] é um personagem que me cativa.
Para encerrar, a Rita Lee fechou sua autobiografia dizendo se orgulhar de ter feito muita gente feliz. E você? Se orgulha de quê? De ter feito muita gente refletir? Recordar? Se divertir?
A arte tem o poder de tocar e transformar as pessoas. Eu me orgulho de, ao longo desses vinte e tantos anos de trabalho na TV e no teatro, ter auxiliado de alguma maneira na transformação de muita gente. A vida presta. É um trabalho árduo, mas que vale a pena.

Mel Lisboa com sua musa Rita Lee – foto reprodução Instagram
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