O mais brasileiro dos chefs franceses, Erick Jacquin inaugura o restaurante italiano LVTETIA

O mais brasileiro dos chefs franceses, Erick Jacquin inaugura o restaurante italiano LVTETIA

A única menção à Lutetia é encontrada nos “Comentários sobre as Guerras Gálicas”, de Júlio César. Foi o nome que o Imperador Romano usou para o povoado onde se encontravam os Parisii (celtas da Idade do Ferro), que viviam em uma ilha no rio Sena. Se os historiadores aproveitaram a deixa para associá-la à Île de la Cité, tornando a maior ilha de Paris o local de nascimento da cidade, Erick Jacquin recorreu ao lado místico que o passado costuma arrastar consigo. Elegeu o nome porque quer fazer história com sua interpretação da Itália.

Aberto em meados de dezembro, o Lvtetia (com “v” mesmo) fica a poucos passos do concorridíssimo Président e é o quarto restaurante (há antes o Ça-Va e o Buteco do Jacquin) do mais querido dos jurados do ‘MasterChef’, aberto no breve espaço de dois anos – ou de meses, se incluirmos uma pandemia no meio. Seria sua estratégia de guerra?

A bem dizer, como o general, Jacquin tem uma habilidade de mobilização impressionante: cativa clientes, sócios e o staff como soldados de sua brigada e, quando desce ao front, é para brilhar. Há poucos dias, seu principal campo de batalha era o Président. Ali, o chef se expõe como na tela da TV, visto que a cozinha faz parte do salão. Chega a receber mais de uma centena de comensais em um único expediente e a tirar foto com quase todos eles, pacientemente. Até porque quem não paga o serviço aos garçons não ganha selfie para postar.

 

Recém-inaugurado LVTETIA - Foto: Junior Estruc

Recém-inaugurado LVTETIA – Foto: Junior Estruc

 

“Outro dia veio um casal não sei de onde. Longe. De ônibus. Eles trabalhavam em cozinha e queriam comer a minha comida. Dividiram entrada, prato e sobremesa. Pagaram o serviço. Quando eu cheguei, eles pediram uma foto e contaram isso. Mandei voltarem para a mesa e fiz um menu degustação. Completo”, expõe. Ao invés de se gabar, o francês da pequena Dun-Sur-Auron estava apenas enfatizando o papel visceral que a restauração continua a ter em sua vida. E, sim, ela depende da culinária, mas não sobrevive sem o salão. É exatamente esse binômio a grande preocupação de Jacquin com o seu caçula.

No dia 7 dezembro, no primeiro teste oficial da casa, o chef não entendeu o que os garçons faziam de suspensórios e gravata borboleta verde, camisa branca e avental vermelho. Em seguida, ficou maluco quando viu a pouca afinidade deles com o menu, ainda que esse não fosse o oficial… “Tudo bem, a Itália é o Brasil da Europa, mas aqui não é cantina, gente!”

Moderno, o Lvtetia tem mesmo um sotaque singular. Como sua própria dicção, no começo da conversa, beira a ininteligibilidade para repentinamente se autoexplicar.

 

Salão do LVTETIA - Foto: Junior Estruc

Salão do LVTETIA – Foto: Junior Estruc

 

Outros significados

Já entre as explicações não dadas está o porquê de abrir um “italiano”. Em 1994, Jacquin chefiava um restaurante estrelado nos arredores de Paris quando um comensal lhe disse: “Eu vou mudar a sua vida e você vai ser rico. Venha comigo para o Brasil”. O clarividente em questão convenceu o cozinheiro sem muito esforço. Tratava-se de Vincenzo Ondei, falecido em 2020, um restaurateur italiano que, além da lábia, tinha a paixão pela França e o extinto Le Coq Hardy, no Itaim. A seu convite, antes de aterrissar em São Paulo, Erick passou dois meses a flanar pela Itália. Mais do que se bronzear na Costa Amalfitana ou se esbaldar com os vinhos na Toscana, teve a chance de mergulhar na consciência gastronômica coletiva do país.

Foi assim que o rapaz prestes a completar 30 anos entendeu o valor que os italianos davam aos produtos, ao frescor, à simplicidade. Fazer pasta em casa, fritar uma alcachofra ou uma abobrinha, preparar um molho de tomate, brasear uma carne pouco nobre, admirar uma polenta. Tudo o que parecia na melhor das hipóteses modesto ganhou um outro significado.

Junto à saudade do “pai Ondei”, é essa essência vivenciada que vem à tona no cardápio do Lvtetia. É, se necessário, saber abrir mão do creme de leite, do queijo e da manteiga; é servir um carpaccio como manda a tradição; é inventar um risoto de escargot em que os caracóis são feitos à moda florentina e o arroz allo zafferano, como mandam os milaneses.

É também escolher ingrediente por ingrediente e, se preciso, desenvolver o seu próprio, caso da mozzarella fresquíssima de búfala, “mozzata a mano”, que não vem da região da Campânia, porém, segue os mesmos preceitos no interior paulista, no laticínio Búfala Almeida Prado.

 

Bar do LVTETIA - Foto: Junior Estruc

Bar do LVTETIA – Foto: Junior Estruc

 

 

Em contrapartida, Jacquin não hesita em provocar: abre a massa tão finamente quanto o mais delicado dos gyozas, mistura foie gras e salmão defumado em uma salada e é capaz de juntar num mesmo prato capeletti, tortelli e raviólis e, lógico, não os esconder com nenhum tipo de molho.

Pois é, genialidade à parte, polemizar é seu estimulante natural. Vai daí que, contrapõe as costas do Papa a Obelix e Asterix, e não brinda a inauguração do “ristorante” com prosecco nem com negroni, mas com Lillet.

Com uns goles a mais do licoroso aperitivo francês, ele confessa o cansaço: “Hoje a gente tem quatro restaurantes, tem que aguentar. Eu já trabalhei sem energia. Na Rua Bahia (onde ficava a extinta Brasserie Erick Jacquin) às vezes caía a luz e a gente não reclamava. O que você faz? Você vende coisa fria, steak tartar, um carpaccio, coisa que não vai na chapa, um peixe que vai no forno. Hoje temos toda a estrutura. Quando vejo o cara estourar no telefone com o cliente porque tem muita reserva, não acredito. Que merda é isso? Vai embora.”

Encontro perfeito

Passional até dizer chega, se hoje o chef abre mais um empreendimento não é porque esqueceu como é fechar. Ao contrário: “A gente vendia o almoço para fazer o jantar, a gente não tinha nada. Eu comprava o vinho no empório da frente com o cartão de crédito do sommelier. Minha mulher acordava às 4h da manhã para fazer o café da manhã do flat em que ficava o restaurante para ajudar com as contas. Se a gente precisava de 15 pães para o buffet, a gente comprava cinco e dividia em 15. A vida estava desse jeito.”

Por sete anos, Jacquin cozinhou como um louco, mas em casa. Recusou todos os convites para emprestar o seu nome a bistrôs e restaurantes espalhados pelo Brasil. Até que conheceu o seu sócio, Orlando Leone. De cliente que “os santos se cruzaram”, o empresário de peças de motocicleta tornou-se um amigo: “Passei a comer na casa dele ou a gente ia para a praia, fumava charuto. Um dia falei: pô, um chef com a sua qualidade não pode ficar sem um restaurante.”

 

Erick Jacquin no LVTETIA – Foto: Junior Estruc

Erick Jacquin no LVTETIA – Foto: Junior Estruc

 

O francês repetiu o discurso que vinha dando: nunca mais teria um restaurante. Passados mais dois anos, Leone voltou com a conversinha. Desta vez, ouviu: “O dia em que eu pagar minha última ação trabalhista, eu posso entrar nessa”. Eis que um domingo os dois estão à beira mar: “Paguei minha última ação trabalhista”. Silêncio. “Você não entendeu o que eu falei? Eu paguei minha última ação trabalhista”. Foi o tempo de abrirem alguns champagnes, subirem a serra e, na manhã seguinte, começarem a procurar um ponto.

O lugar que abrigava uma loja de sapatos na Rua da Consolação, nos Jardins, caiu nas graças de ambos. A insistência dos dois garantiu o imóvel do Président e a simpatia do proprietário, coincidentemente ou não, o mesmo do antigo Bar Numero, onde hoje está o Lvtetia.

“É uma união bem bacana, abrimos um restaurante e depois de quatro meses veio a pandemia. Na pandemia apareceu o Ça-Va. Este ano veio o Buteco do Jacquin, agora o Lvtetia. A gente soube dividir, eu com administração e finanças, ele com a gastronomia”, resume o sócio. É de se esperar que tenha mais, não é mesmo? E tem: a dupla iniciou a obra de uma steak house no complexo Helbor Wide, na Avenida Rebouças. A ideia é avaliar o modelo para franquear e, concomitantemente, fazer o mesmo com o projeto de um café. “A gente não vai parar não, a gente vai seguir muito em frente” – palavra de Monsieur Jacquin.

 

Popstar do sertanejo, Michel Teló exalta a simplicidade e inova ao apostar em canções mais intimistas

Popstar do sertanejo, Michel Teló exalta a simplicidade e inova ao apostar em canções mais intimistas

No mês em que completa 41 anos, o cantor, compositor, sanfoneiro e técnico do “The Voice Brasil”, Michel Teló fala sobre o sucesso planetário de “Ai Se Eu Te Pego”, elucubra sobre os rumos da música sertaneja e comenta recentes lançamentos

Em 2011, não adiantava tentar fugir. Em todos os cantos do planeta, só dava Michel Teló cantando “Ai Se Eu Te Pego”. A canção ficou meses em primeiro lugar nas paradas do mundo todo, da Colômbia à Holanda, de Israel à República Tcheca. Mais recentemente, em junho do ano passado, a faixa atingiu a fabulosa marca de um bilhão de views no YouTube.

Mas, mesmo com essas realizações todas no currículo, o cantor, compositor e musicista nascido no Paraná e criado no Mato Grosso do Sul continua o mesmo. Com seu jeitinho acanhado, Teló segue atuando na TV como jurado e mentor do “The Voice Brasil“, se prepara para colocar novamente em cartaz nos teatros o espetáculo “Bem Sertanejo” e ainda consegue tempo para namorar sua esposa, a atriz Thais Fersoza, e participar da educação dos filhos Teodoro (de 4 anos) e Melinda (5). Dividindo-se entre São Paulo (onde fica a humilde residência oficial da família) e o Rio (onde todos estão morando por causa do trabalho na TV), ele concedeu entrevista à 29HORAS. Confira a seguir os principais trechos dessa prosa:

 

Foto Guilherme Moura

Foto Guilherme Moura

 

Você é o intérprete de uma canção que, durante meses, foi a mais executada em todo o planeta. Ainda assim, preserva um jeito simples, de “gente como a gente”. Como conseguiu escapar das armadilhas da fama e resistiu à tentação de se comportar como um superstar desagradável?

Eu me sinto muito abençoado por tudo o que eu tive a alegria de viver devido à “Ai Se Eu Te Pego”. Já se passaram 10 anos e nenhuma música em português alcançou uma marca tão grandiosa, de ficar em primeiro lugar em tantos países. Eu acho que essa minha postura tranquila vem dos meus pais. Eles sempre pregaram a questão do res- peito, do amor ao próximo, de tratar as pessoas com carinho e, para mim, é muito claro que somos todos iguais e vamos todos para o mesmo lugar. Sempre tive a consciência de que a vida é feita de ondas para a gente surfar, que toda carreira tem seus altos e baixos. E eu surfei, e ainda surfo, a onda dessa música com muito respeito e gratidão.

 

Por falar em estilo sertanejo, você é um dos raros artistas que valorizam as raízes desse gênero musical. Nos últimos tempos, os temas do cancioneiro sertanejo vêm mudando bastante. Deixou de enaltecer a natureza e as coisas da roça para falar de amor, dor de cotovelo, balada e até de empoderamento feminino. E agora? Para onde caminha a música sertaneja?
Realmente o sertanejo, a música caipira, nasceu pela viola, que veio com os portugueses e foi tomando a forma da viola caipira, através dos nossos tropeiros e boiadeiros. Antigamente, a maioria dos brasileiros vivia no campo e as músicas falavam dessa vivência. Quando o país começou a se urbanizar, a trilha passou a abordar outros temas. Até os anos 1960, as músicas falavam do cara que saiu do campo pra ganhar a vida na cidade. Nos anos 1990, veio o momento “Amigos”, mais romântico; nos anos 2000 veio a pegada mais acústica, da balada; e agora estamos vivendo esse momento especial das mulheres brilhando. Eu acho que o sertanejo sempre sabe se reinventar e é isso que permite que o estilo esteja há pelo menos três décadas no topo das paradas no país.

 

Michel Teló - Foto Fernando Hiro

Michel Teló – Foto Fernando Hiro

 

Não seria interessante, nesse momento de destruição desenfreada, que o universo sertanejo abraçasse a questão ambiental?
Acho importante a gente se atentar à questão ambiental, vivenciar e falar sobre isso. Eu tenho fechado algumas parcerias, realmente pensando nessa questão. Lá no Mato Grosso do Sul tenho trabalhado em um projeto de reflorestamento de madeira, incentivando o uso de energia solar também. Temos que falar desse cuidado com o campo, da harmonia entre o agro e a preservação.

 

Você, como bom sanfoneiro, curte essa mistura cada vez mais comum de sertanejo com forró?
Aos meus 9 anos ganhei a primeira sanfona. É a minha grande paixão, um instrumento que eu amo. Tive uma influência grande dos acordeonistas da região Sul, do Centro-Oeste e do Nordeste. Cada um tem um estilo, um jeito de tocar, e eu sempre gostei muito de misturar. Gosto da mistura do forró, do sertanejo, do axé, do vaneirão, da música gaúcha. Onde tem sanfona, tem alegria.

 

Sendo um artista que já se apresentou nos mais diversos palcos do planeta e tem amizade com músicos de todos os gêneros e estilos, você consegue enxergar uma fusão maior entre a música sertaneja, o funk e o rock?
O sertanejo já faz essas misturas, existem muitas vertentes. Tem a música de festa, a música caipira, a sofrência: são muitas portas que o sertanejo abre. Já tivemos a mistura com o rock, inclusive, essa influência aconteceu lá atrás com Leo Canhoto e Robertinho, quando a música sertaneja não tinha bateria e baixo, e eles inovaram. A turma do sertanejo sempre esteve muito ligada com tudo o que está acontecendo.

 

E você se incomoda com a crítica musical, que insiste em colocar a música sertaneja como um gênero comercial e esteticamente pobre? Como você rebate esse estigma?
A música sertaneja tem origem no campo, em uma vida simples. E você conseguir cantar o simples e alcançar o coração das pessoas é muito difícil e especial. Essa é mágica que a música sertaneja tem. Dentro do gênero existem grandes instrumentistas que se dedicam a canções simples, mas muito elaboradas musicalmente. Uma simplicidade sofisticada. O sertanejo é um estilo que está no sangue, na veia, na raiz do povo brasileiro. E eu não me incomodo com as críticas, porque acredito que muitas das pessoas que falam isso apenas não conhecem o estilo. Se olharem com carinho, vão encontrar muita coisa maravilhosa dentro do universo sertanejo e vão se encantar também.

 

E como foi a sua vida durante o período de quarentena e de pandemia? Em tempos de coronavírus, a última coisa que a gente podia cantar era “Ai se eu te pego” ou “assim você me mata”…
Exatamente! [risos] Logo que surgiu a notícia da chegada do vírus aqui no Brasil, fui um dos primeiros a cancelar as apresentações marcadas. A gente se trancou em casa. Ficamos muito assustados por causa dos nossos pais e dos nossos filhos. A partir daí, as lives foram uma maneira de a gente se conectar com o público. Também gravei um álbum intimista que, com certeza, se não fosse a pandemia, eu não gravaria. E o lado bom para mim – um cara que viajou muito e esteve ausente por muito tempo – foi ter tido a oportunidade de conviver mais com meus filhos, de estar mais com eles e com a Thais. Foi muito especial.

 

Michel com os filhos, a esposa Thais Fersoza e o elenco de "Bem Sertanejo" - Foto divulgação

Michel com os filhos, a esposa Thais Fersoza e o elenco de “Bem Sertanejo” – Foto divulgação

 

Ficou bem bacana o álbum “Para Ouvir no Fone”, com faixas intimistas, apropriadas para este momento de introspecção e reflexão. E agora que esse pesadelo de pandemia parece estar perto do fim, para onde você vai?
Fico feliz que você gostou. Esse projeto foi bem diferente e o resultado me agradou demais. A música nos proporciona isso: tem canção para todos os momentos. Na hora da festa você coloca “Humilde Residência”; já quando estiver viajando ou reflexivo, querendo ficar de boa, você pode escutar esse álbum. Eu gosto disso. E gosto também dos meus projetos na TV. No ano que vem, a ideia é voltar com o projeto de teatro musical “Bem Sertanejo”, e retornar com os shows já no Carnaval. Ainda tenho outros projetos em andamento, que são diferentes de tudo que eu já fiz. Se tudo o que eu tiver em mente acontecer, será um ano de muito trabalho.

 

Mudando de assunto, como foi trabalhar nessa nova configuração do “The Voice Brasil”, como um jurado diferenciado?
Eu tive a alegria de ser o quinto técnico, com uma cadeira especial e uma função diferente para mim. Passei metade do programa só assistindo e montando um time com vozes que estariam indo embora da competição. Tive essa alegria de dar uma segunda oportunidade. Montei um time muito forte e fiquei feliz demais com esse formato. É um programa de que gosto muito, que é potente em entreter as pessoas de casa, além de trazer oportunidades para artistas incríveis que o nosso país precisa conhecer.

 

No The Voice Brasil, Michel Teló com seus colegas Carlinhos Brown, Claudia Leitte, Iza e Lulu Santos - foto Globo | Fábio Rocha

No The Voice Brasil, Michel Teló com seus colegas Carlinhos Brown, Claudia Leitte, Iza e Lulu Santos – foto Globo | Fábio Rocha

 

E no “The Voice Kids”, o que mais te agrada e o que mais te surpreende nesse incrível show de calouros infantis?
Eu me encantei completamente e sou apaixonado pelo The Voice Kids. Como aquelas crianças são talentosas! E é muito especial vê-las cantando ao vivo. A vibe delas é de alegria, sem pretensão ou responsabilidade, e isso é muito legal porque deixa o programa leve.

 

Por falar em kids, o seu filho Teodoro ou a sua filha Melinda já estão tendo aulas de acordeão?
Aqui em casa a sanfona está sempre à disposição, tem uma bateria pequena na sala que até eu toco as vezes, tem violão e saxofone, e tudo quanto é instrumento espalhado pela casa, para eles curtirem e aprenderem. A gente conduz isso de uma maneira natural, os deixamos livres porque são pequenos, mas os dois passam o dia cantando. Os dois nasceram com muita facilidade artística, até porque a mãe deles também é uma grande artista, isso está no DNA. Eles terão todo nosso apoio e o nosso incentivo para o que quiserem ser. Mas a música, com certeza, estará presente na vida deles.

 

Foto Divulgação "Pra Ouvir no Fone"

Foto Divulgação “Pra Ouvir no Fone”

 

Por fim, agora em janeiro você completa 41 anos e, apesar de ainda bem jovem, já atingiu bilhões de pessoas com a sua arte e conquistou muitos prêmios e reconhecimentos. Está pensando em desacelerar?
Eu comecei muito cedo, cantando profissionalmente com 12 anos, tocando baile. Então, dos 12 até os 40 eu abdiquei praticamente de todos os finais de semana da minha vida para estar na estrada, trabalhando. Quando as crianças nasceram eu comecei a controlar a agenda. Ter a minha família sempre foi o meu maior sonho e passei a organizar melhor o tempo. Também limitei a quantidade de shows para poder tocar outros projetos, como o “The Voice” e os outros trabalhos na TV. Aprendi que, planejando, dá para fazer tudo de uma maneira tranquila. O importante é dar prioridade ao que merece ter, e saber escolher melhor. Não pretendo desacelerar, mas organizar melhor para poder fazer tudo o que eu gosto e estar em família também. Achar esse equilíbrio é sempre o grande desafio.

 

Ícone da moda carioca, Lenny Niemeyer desenha o mais elegante beachwear do país

Ícone da moda carioca, Lenny Niemeyer desenha o mais elegante beachwear do país

As criações de Lenny Niemeyer rompem com o limite do calçadão e chegam ao mundo levando o glamour do Rio em três décadas de história

As curvas e o movimento dos projetos de Oscar Niemeyer combinam perfeitamente com as roupas de Lenny. O casamento da arquitetura com a moda é tão sólido que rompeu com a lógica de desfiles da São Paulo Fashion Week (SPFW) acontecerem na capital paulista. Na última edição do evento, em novembro de 2021, as criações de Lenny Niemeyer marcaram presença, mas diretamente do Museu da Ciência e da Criatividade, no Caminho Niemeyer, em Niterói. O desfile comemorou 30 anos da marca de moda praia, que é sinônimo de sofisticação na areia –, e é reconhecida por seus impecáveis biquínis, maiôs, vestidos de seda e linho.

 

 

Sob o crepúsculo fluminense, a apresentação mostrou looks de costuras geométricas e a conhecida inspiração na botânica brasileira que está presente nas roupas de Lenny há três décadas. Vestidos esvoaçantes e lindamente leves presos ao corpo apenas pelo pescoço atravessaram a meia esfera branca que abriga o Museu.

A estilista natural de Santos e carioca de lar e coração rompe com regras rígidas que ainda possam existir no setor. As roupas da praia vão para o calçadão e transitam também, por que não, pelo asfalto. “Nunca olhei muito para esse limite. O que sempre percebi foi o comportamento da mulher carioca”, explica.

Foi o olhar atento ao lifestyle das moradoras do Rio que levou a paisagista de formação a desenhar o seu primeiro biquíni, nos anos 1980. Depois, ela desenvolveu produtos para grifes importantes como Fiorucci e Andrea Saletto. Em 1991, lançou em Ipanema a marca que leva seu nome – expoente da versão mais elegante do beachwear brasileiro. A seguir, Lenny Niemeyer reflete sobre a moda praia na pós pandemia, lembra os 30 anos de suas criações e compartilha seus desejos para este verão e para os próximos.

 

Foto Divulgação

Foto Divulgação

 

Foi muito simbólico e bonito que o último desfile de sua marca, na SPFW, tenha sido no Museu da Ciência e da Criatividade, em Niterói. Como a pandemia atravessou o seu processo criativo? E, para você, como o momento impactou a moda praia e o setor como um todo?
A pandemia foi desafiadora em muitos sentidos, fez com que revisitássemos todos os processos de trabalho de todas as equipes da companhia, desde a forma de trabalhar até mesmo de nos comunicar. O negócio da moda envolve muita sensibilidade e olho no olho. Então precisamos nos reinventar na criação. Mas conseguimos passar pelo momento mais crítico sem desligar ninguém, com todos os cuidados e seguindo todos os protocolos. E, como já havíamos acelerado o digital na empresa, conseguimos até mesmo crescer em relação ao ano anterior. Em 2020 crescemos até 300% no e-commerce. Então não posso reclamar da pandemia, pois observei que a minha cliente ficou mais sensível ao consumo, usando a minha roupa na casa de campo ou praia, ou mesmo nas viagens curtas dentro do país. Não sei como foi para as outras empresas, mas crescemos em números de lojas (abrimos duas na pandemia), no digital e nas vendas da exportação.

 

Desfile na SPFW 2021 - foto Zé Takahashi | Fotosite

Desfile na SPFW 2021 – foto Zé Takahashi | Fotosite

 

Suas criações transmitem fluidez, leveza, liberdade… Como é transportar a experiência da loja física, do contato direto com as roupas, para a compra no digital? Com tem sido esse desafio?
O segredo é ter um bom time interno cuidando de transportar todo o DNA da marca para o universo digital, por meio de uma geração de conteúdo cuidadosa e sofisticada. Eu acredito que já tínhamos esse olhar, mas com a pandemia incrementamos a nossa comunicação com mais materiais e realizando escolhas assertivas, desde a modelo que você convida para um shooting e que terá a presença perfeita até em quais mídias trabalharemos – tudo alinhado aos pilares da marca.

 

Você representa a fusão na costura da areia, do calçadão e do concreto na moda, no Brasil. Há alguns anos, o que foi preciso fazer para quebrar o preconceito que o setor tinha com a moda praia? Você enxergava alguma resistência?
Como uma paulista que veio para o Rio de Janeiro eu encontrei resistência no início, até porque a moda praia à época estava restrita à areia. Mas, ao observar a carioca e seu jeito descomplicado de vestir e de fluir da areia para o asfalto, percebi oportunidades. Meu desejo sempre foi ampliar esse uso, e acredito que o fiz usando matérias-primas nobres na praia e uma arquitetura de produto não-convencional para os padrões da época. Então posso dizer que a resistência que existia eu transpassei com propostas de uso democráticas e sofisticadas na forma, e acredito que foram bem aceitas. E aqui estamos!

 

Como você definiria o lifestyle carioca? Como a sua marca materializa esse espírito?
Ah… a carioca é leve, descontraída e de espírito livre. Acredito que a marca reforça esse estilo por meio da estamparia, das formas orgânicas da cidade com a sua arquitetura e botânica incomparáveis, e na liberdade de vestir corpos diversos com uma moda descomplicada.

 

 

Uniformes desenhados por Lenny Niemeyer para as Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016 - Foto divulação

Uniformes desenhados por Lenny Niemeyer para as Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016 – Foto divulação

 

Em 2018, você foi a única estilista do país a receber o prêmio Designer of the Year, em Paris. Como é ser estilista no Brasil?
Se não houvesse Brasil e o Rio de Janeiro, não haveria prêmio nenhum. É um orgulho poder ser reconhecida por minhas inspirações, e ser brasileira, reconhecida lá fora, tem um grande significado para mim!

 

Com 30 anos de história, a marca produz looks pós-praia, o que seriam essas roupas? Como é romper o limite da areia e do concreto?
Roupas pós-praia são roupas que transitam tanto da areia para o asfalto como vice-versa. E essa transposição se faz em incrementar um matéria-prima nobre, como a seda e o linho, ou usar acessórios poderosos. Mas, na verdade, nunca olhei muito para esse limite. O que sempre percebi foi o comportamento da mulher carioca e interpretei seu caminhar. O uso de matérias-primas leves e nobres está em perceber que tais produtos são coerentes com o espaço natural.

 

A estilista no desfile de 30 anos da marca - foto Zé Takahashi | Fotosite

A estilista no desfile de 30 anos da marca – foto Zé Takahashi | Fotosite

 

Nos últimos anos também é possível ver uma maior evidência para matérias-primas sustentáveis na marca. Quais seriam esses materiais? Como você enxerga essa conversa da sustentabilidade com a moda?
A sustentabilidade é o futuro na moda, na minha visão. Claro que existem limitações técnicas, principalmente na lycra. Mas, hoje, trabalhamos com a lycra biodegradável, e a lycra Econyl por meio da parceria com a Reorder. Essa lycra é originada de redes de pescas abandonadas no litoral sul do Brasil, e seu processamento de produção é altamente sustentável, não envolve tingimentos. Além disso, temos malhas de bambu e acessórios feitos de buriti, caroá e vime advindos de cooperativas familiares do norte do Brasil. Da nossa forma buscamos fazer a nossa parte – e cada vez mais olhar para um futuro responsável.

 

Você é de Santos, mas escolheu o Rio como a sua casa. Você se lembra da primeira vez em que esteve na cidade? Sua primeira impressão mudou?
Chegar ao Rio foi como voltar à minha infância. Sou de Santos, uma cidade litorânea também. Então quando cheguei por aqui eu só queria saber de ficar na praia, e me encantei absolutamente pelo mar. E a cidade foi a minha maior inspiração criativa, por suas belezas naturais e pelo ar descomplicado, um lifestyle maravilhoso de viver.

As minhas impressões mudaram no sentido de ver a capital mais cosmopolita e desenvolvida. Antes eu era mais observadora, e hoje, como moradora, sou mais atuante na comunidade… faço parte de um comitê de empresários em prol do Rio de Janeiro junto à Prefeitura, entendo meu lugar como voz e como responsável por cuidar e zelar.

 

enny em comemoração de duas décadas de suas criações - foto Miguel Sá

Lenny em comemoração de duas décadas de suas criações – foto Miguel Sá

 

Seu livro “Delícia Receber” mostra seu lado anfitriã. Com a pandemia controlada, pretende voltar a promover festas e eventos?
Eu sempre amei receber, dançar e reunir pessoas, e sempre abri a minha casa para isso. Mas entendo que não estamos em momento de festejar, com tudo que ainda está acontecendo em nosso país. É claro que continuo recebendo amigos em casa, porém com menos gente e mais cuidado. Já fiz festas com 20 e até 700 pessoas, e o que as une absolutamente são as várias tribos, os muitos amigos, a diversão garantida.

 

Entre desfiles, coleções e prêmios, qual seria o momento mais importante da sua carreira até hoje? Você conseguiria elencar uma criação como a sua preferida?
O momento mais emblemático foi meu 1º desfile de passarela, no Palácio da Cidade (sede da prefeitura do Rio de Janeiro). Ele foi marcante porque percebi que a moda praia poderia de fato ser desfilada em uma passarela. Entre as coleções mais importantes para mim destaco a última de 30 anos, pelo olhar de toda a trajetória, de como ela foi concebida com tantas adversidades. E, principalmente, de poder voltar a desfilar presencialmente, o que eu realmente amo. Colocar esse desfile em pé foi um verdadeiro ato de resistência!

 

Como você descreveria em poucas palavras a sua coleção verão 2022? E o que você espera deste verão?
Essa coleção de verão é um olhar para o futuro, uma busca espiritual que nos leva para a luz de momentos melhores. Assim ela foi pensada e concebida!
O que eu desejo para este verão é uma moda democrática no sentido das mulheres se sentirem bem e lindas, independente dos corpos e da idade… eu espero ver a diversidade, que é a grande tendência em muitas coleções e marcas.

 

Look da coleção verão 2022 de LennY - foto Juliana Rocha

Look da coleção verão 2022 de Lenny – foto Juliana Rocha

Revista Online: Edição 144 – VCP

Revista Online: Edição 144 – VCP