A vitrine do número 338 da Avenida Amaral Gurgel, no Centro de São Paulo, poderia ser confundida com a de outras livrarias de rua da região, se não fosse pelo seu interior. Nas estantes, as obras à venda têm uma peculiaridade: apenas a assinatura feminina. Com um acervo inteiramente composto por obras escritas por mulheres, a recém-inaugurada Gato Sem Rabo traz à luz títulos que, por décadas, foram deixados de fora das prateleiras.
O espaço, localizado em frente ao viaduto do Minhocão, foi concebido pela pesquisadora em Artes Visuais Johanna Stein. “Na faculdade, eu quase não encontrava materiais científicos escritos por mulheres. Esses textos existiam, mas eram invisibilizados pela bibliografia ‘padrão’, dominada pela masculinidade”, conta. Foi então que ela decidiu partir em busca dessas autoras. Desde 2019, Johanna desenvolve, com a ajuda de amigas, um trabalho intensivo de coleta de nomes femininos na cena literária brasileira e internacional.
No centro da foto a idealizadora do projeto, Johanna Stein, e livreiras da Gato Sem Rabo – Foto: Beatriz Alves
Dessa curadoria colaborativa, saíram os mais de cinco mil exemplares que hoje preenchem as paredes da livraria. São cerca de 1.700 títulos de 650 escritoras, publicados por quase 200 editoras. A ideia é que o catálogo seja cíclico e se transforme com o tempo, de acordo com “as urgências do presente e a memória do passado”, explica.
No interior da livraria, há prateleiras para poesia, contos, biografia, artes, ciência, filosofia, romances e até seções especiais para literatura infantil e Geração Z. Segundo a pesquisadora, essa setorização tem como propósito pôr fim à noção de que as obras femininas compõem um único nicho literário. “Mulheres escreveram sobre todos os assuntos, e não apenas sobre gênero ou as políticas do corpo. Queremos que a Gato Sem Rabo seja uma prova de que não há limitações para a escrita feminina”, comenta.
Foto: Beatriz Alves
Para nomear o estabelecimento, a inspiração veio de um texto da ensaísta britânica Virginia Woolf. Em “Um Quarto Só Seu”, publicado em 1929, a autora descreve a produção intelectual feminina como algo que causa tanto estranhamento quanto a imagem de um gato sem rabo. “As mulheres sempre carregaram esse estigma, de animal amputado, deslocado, e relegado a ausências e silenciamentos”, comenta. A pesquisadora deseja trazer às vitrines todos esses “gatos sem rabo”, que fogem ao cânone universal da literatura. “Para isso, vamos diversificar cada vez mais nosso estoque, criando um olhar curatorial a partir da perspectiva de corpos femininos, dissidentes, não-binários e não-europeizados.”
A longo prazo, o que Johanna deseja é instigar a classe leitora a uma mudança de hábitos. “Um livro parado na estante é um livro morto. É nossa obrigação fazer esses discursos circularem. Mais do que nunca, precisamos dessas obras vivas e pulsantes, para honrar mulheres que, mesmo tão desacreditadas, tiveram a ousadia e a coragem de fincar suas histórias no mundo”, finaliza.
Em meio às terras altas de Espírito Santo do Pinhal, a Vinícola Guaspari se abre para visitas guiadas e degustações de seus premiados vinhos que expressam o terroir especial dessa região cuja paisagem é composta por olivais, ciprestes e velhas construções.
Em outubro do ano passado, a conceituada revista britânica “Decanter” estampou pela primeira vez em sua história uma vinícola brasileira. Era uma matéria sobre a vinícola Guaspari e, mais especificamente, seus vinhos elaborados com uvas Syrah em uma bonita propriedade nas terras altas do município de Espírito Santo do Pinhal, a apenas 120 km do aeroporto de Viracopos.
Vinhedos Guaspari, em Espírito Santo do Pinhal – Foto: Divulgação
A fazenda, que desde o século XIX produz cafés de alta qualidade, começou em 2001 sua história na produção de vinhos. Hoje, a área ocupada pelos vinhedos (50 hectares) já é maior do que a ocupada pelos cafezais (23 hectares). A vinícola, onde as uvas são processadas e os vinhos descansam e maturam antes do consumo, está instalada na antiga tulha de café. Tudo ali foi feito com capricho e detalhismo. Muitos visitantes se sentem na Toscana – a paisagem tem, além de vinhedos, um olival de onde saem azeites espetaculares, construções antigas em terracota ou pedra e ciprestes que adornam as estradinhas de terra que serpenteiam pela região.
Agora, depois de um ano fechada ao público por causa da pandemia, a vinícola reabre para tours enogastronômicos. Seguindo todos os protocolos de segurança, as visitas devem ser agendadas. Nem pense em aparecer sem ter feito reserva previamente. Além de aprender sobre o cultivo de uvas e todo o processo de produção de vinhos, o visitante ainda tem a oportunidade de degustar os rótulos surpreendentes da Guaspari (pronuncia-se “Guaspári”).
Foto: Divulgação
Há quatro opções de experiências, que custam de R$ 98 a R$ 680. Agora no mês de julho – época da colheita nos vinhedos – é oferecida a experiência “Visita da Vindima – Sabores da Fazenda”, sempre aos sábados e domingos, a partir das 9h30. A visita inclui recepção com café especial da fazenda e bolo caseiro, passeio pelo vinhedo guiado por um profissional da vinícola com direito a “colheita simbólica”, visita à sala de tanques de fermentação e à cave de barricas e garrafas e, por fim, uma degustação dos vinhos com queijos artesanais, uma visita à lojinha e um almoço harmonizado com salada da horta e uma feijoada completa. De sobremesa, doces da fazenda. Por esse pacote completo, cada pessoa deve desembolsar R$ 680.
Além dos premiados vinhos feitos com uvas Syrah, a Guaspari tem ainda brancos elaborados com as perfumadas Chardonnay, com as frescas Sauvignon Blanc e com as complexas Viognier. Entre os tintos, aposte no Vista da Mata, uma intensa assemblage de Cabernets Franc e Sauvignon.
O legado de primeira cidade asiática a sediar as Olimpíadas, em 1964, deve ser trunfo de Tóquio na edição de 2021.
O desafio de abrigar o maior evento poliesportivo do mundo durante um momento histórico conturbado não é novidade para o Japão. Em 1964, muito antes da explosão do Covid-19, Tóquio sediava os Jogos Olímpicos pela primeira vez – e sob circunstâncias igualmente turbulentas.
Tocha olímpica na Olimpíada de Tóquio de 1964 – Foto: Reprodução
“O país tinha acabado de sair arrasado da Segunda Guerra Mundial e, não bastasse, ainda se recuperava dos bombardeios de Hiroshima e Nagasaki, em 1945”, comenta Katia Rubio, coordenadora do Grupo de Estudos Olímpicos da Universidade de São Paulo. “Apesar de as Olímpiadas terem acontecido na cidade 20 anos depois dessas fatalidades, o Japão ainda sentia os efeitos”, explica.
O país decidiu transformar a adversidade em potência. O status de sede olímpica serviu de pretexto para que Tóquio fosse catapultada a uma era de modernização sem precedentes. “O grande legado material dos Jogos de 1964 foi o trem-bala, que começou a funcionar na capital nove dias antes do início dos Jogos”, cita a pesquisadora. Foram construídas novas estradas e um monotrilho que liga o Aeroporto Internacional de Haneda ao centro da cidade – e funciona até hoje. “Outra característica que sublinhou as primeiras Olimpíadas de Tóquio foi a ode ao país e à sua cultura”, aponta Katia. O evento, que foi o primeiro da história a ocorrer no continente asiático, marcou a introdução do judô – arte marcial nativa japonesa – no rol de modalidades oficiais.
Estádio Nacional construído para a Olimpíada de Tóquio de 1964 – Foto: Reprodução
Para a campanha de 2021, a capital da tecnologia promete uma síntese entre pioneirismo e tradição. Dos 43 espaços reservados para competições, sete foram construídos em 1964 e serão reaproveitados este ano. Juntas, essas instalações formam a “Zona Herança”, região central da vila olímpica, com arenas que contam a memória da cidade.
Mesmo mantendo raízes no passado, a Tóquio de 2021 deve apontar para o futuro. “Tudo indica que essa seja a edição mais tecnológica da história”, prevê Katia. O Japão planeja usar sistemas de reconhecimento facial e rastreamento de atletas no evento. Com o público ainda impedido de acompanhar todas as competições presencialmente, robôs povoarão as quadras, trabalhando como “voluntários” recolhendo bolas e dardos durante as disputas.
Em uma temporada diretamente afetada pela pandemia de Covid-19, o passado retorna ao pódio, e “reconstrução” volta a ser a pauta principal. “É uma nova época, mas o desafio é o mesmo. Nasce mais uma chance de o Japão expor que, além da cultura e do folclore, a luta é a sua grande tradição”, finaliza.
obôs da Toyota, desenvolvidos para auxiliar no evento deste ano – Foto: Divulgação
Jogos Pandêmicos
Esta não será a primeira edição dos Jogos Olímpicos realizada durante uma pandemia. Em 1920, as Olimpíadas da Antuérpia aconteceram em meio a um surto global de gripe espanhola. “Essa província da Bélgica já havia sofrido muito com a Primeira Guerra Mundial e a doença veio logo em seguida”, explica Katia. Somadas, as duas tragédias deixaram cerca de 90 milhões de mortos. Para a estudiosa, apesar da similaridade pandêmica, a situação em Tóquio será diferente. “Na década de 1920 não houve tanta comoção dos espectadores ou quebras de expectativa, porque os Jogos não eram o fenômeno social e mobilizador que são hoje. O sentimento olímpico é uma repercussão atual e o fato de o evento não ter público deve fazer muito mais falta este ano”, explica.
Ginásio Nacional Yoyogi, projetado por Kenzo Tange, construído para os Jogos de 1964, e será novamente palco da Olimpíada. – Foto: Arne Müseler
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