A cor da música: quando o universo musical encontra as artes plásticas

A cor da música: quando o universo musical encontra as artes plásticas

“Assim como a música é a poesia do som, a pintura é a poesia da visão” declarou, certa vez, o artista americano James McNeill Whistler. É praticamente impossível encontrar o momento em que os dois mundos se conectaram, afinal, quando falamos sobre arte, a inspiração vem de todos os lados e as influências se esbarram em uma via de mão dupla.

Whistler, o pintor da frase que abre nossa coluna, por exemplo, tem como um de seus trabalhos mais notórios a tela “Nocturne”, produzida no final do século XIX, e inspirada pelas composições de título homônimo dos solos de piano de Chopin, datados entre 1827 e 1846.

Outros grandes artistas tiveram a música como musa de suas obras: Mondrian, Paul Klee, Henri Matisse e, claro, Kandinsky. A fascinação deste último pelos sons não apenas o inspirou artisticamente, como também levou o pintor russo, precursor do movimento abstracionista, a escrever um manifesto sobre a sinestesia, fenômeno neurológico que sequer havia sido descoberto na época. Kandinsky acreditava que as diversas tonalidades de tintas tinham influência direta sobre a alma e que seria possível ver cores quando ouvia música e, ouvir música quando pintava. O artista também é conhecido, com todo o merecimento possível, como o ” pintor do som e da visão”.

 

E quando o caminho é inverso?

Da mesma forma que artistas plásticos se inspiraram diretamente pela música, também são muitas as obras transformadas em canções. São clássicos como “Mona Lisa”, na voz de Nat King Cole; “Andy Warhol”, de David Bowie; e “Vincent (Starry Starry Night)”, de Don Mclean, passando pelo rap de Jay Z com “Picasso”; e Kanye West em “Famous”; ao ARTPOP de Lady Gaga, cuja capa, inclusive, foi concebida por Jeff Koons, famoso por suas esculturas irreverentes que subvertem o próprio conceito de arte.

A sinergia é tão grande que o mesmo artista concentra em si diversas formas de arte. Yoko Ono, Johnny Cash, Janis Joplin, Stevie Nicks e até Michael Jackson também se expressavam pela pintura. Exaltamos aqui, em especial, a gigantesca cantora americana Joni Mitchell, que não apenas era puro talento e emoção musical, como também pintava muitas capas para seus discos. “Turbulent Indigo” (que estampa essa coluna) é uma das mais conhecidas, e também foi inspirada por um dos autorretratos mais íntimos de Van Gogh, feito após ele ter decepado a própria orelha. O que diz muito sobre o décimo quinto álbum de Joni, lançado em 1994, repleto de temáticas e letras densas, melancólicas, responsáveis pela conquista de um Grammy.

O que podemos realmente ter como certo é: quanto mais arte, melhor. Aproveite e ouça a playlist que preparamos para esta edição, feche os olhos e, quem sabe, você também não escute cores?

Falando nisso…

Passinho no Museu

O Heavy Baile, coletivo multimídia carioquíssimo, levou seu funk para quebrar barreiras físicas, culturais e sociais e dar um rolé virtual pelo Metropolitan Museum of Art (MET), lançando todo o gingado do passinho por entre obras clássicas expostas na instituição nova-iorquina. O vídeo sensacional é dirigido por Daniel Venosa e estrelado por Ronald Sheick, dançarino brilhante do ritmo criado no Rio de Janeiro. O nome da produção? “Noturno 150”. Vale muito a pena conferir!

 

Músicas para esquecer o barulho e os problemas do lado de fora na estação mais linda do ano

Músicas para esquecer o barulho e os problemas do lado de fora na estação mais linda do ano

Hoje acordei pensando em 2022. Em compensamos lá na frente e não no aqui e agora. 2001 com Tom Zé e Mutantes, Miss Brasil 2000 com Rita Lee… músicas compostas ainda no século passado. E na canção de Caetano com os versos de Maiakovski: “Ressuscita-me, ainda que mais não seja porque sou poeta e ansiava o futuro”. 

Demasiado humano pensar no futuro, claro. Mas achei melhor pensar no futuro mais próximo e me voltei para o fato de que estamos entrando na estação mais florida do ano, a primavera! Beto Guedes diz que é a boa nova chegando, para Zé Miguel Wisnik é quando desespera tudo em flor, e para Tim Maia é aquela delícia que a gente canta inteirinha junto mais alto ainda quando chega no refrão clássico: “É Primavera, te amo!”. Que maravilha de playlist 

Foto: Sergey Shmidt Koy | Unsplash

 

Não podemos negar, no entanto, que com a situação de desamparo em que se encontra a preservação das nossas florestas no Brasil, é difícil não lembrar que o Pantanal e a Amazônia estão pegando fogo. Volto a pensar em 2022… E lembro de um evento muito importante sediado no Rio de Janeiro, a tão maltratada cidade maravilhosa. Foi em 1992 que o Brasil recebeu o mundo inteiro para uma conferência mundial sobre o meio ambiente. Aja localmente, pense globalmente era o bordão. Jacques Costeau esteve aqui. Rio 92. Foi histórico, foi lindo. E eu fiz a cobertura pelo Baleia Azul, meu antigo programa de rádio que tocava muito reggae junto com o canto da baleia jubarte. Quantas músicas boas, quanta esperança no futuro, que clima de primavera estávamos experimentando. 

Nos anos 1990 assistimos ao boom da música sertaneja, lembram? Do pagode também. A diversidade musical desse país é um espanto. Assim como a biodiversidade, o sincretismo, somos a mistura, somos a antropofagia dos nossos povos ancestrais, os índios guardiões das florestas. Na música, isso se acentuou com o tropicalismomas já era prática desde o piano de Ernesto Nazareth. 

Mas voltando à primavera, já que entrou outubro, vamos falar de flores. Zélia Duncan teve uma canção de sucesso escrita por Fred Martins que tem “flores para quando tu chegares… Uma dinâmica botânica de coresPara tu dispores pela casa”. Para os Titãs, “as flores de plástico não morrem…”. Itamar Assumpção fez uma ode ao ciúme falando do cheiro e do perfume das flores: “Perfume de flor-de-lis, perfume de orquídea, perfume de amarílisperfume de flor de lótus, perfume de meretriz, perfume de flor de cactos, perfume de flor de anis…” 

Mas, talvez a minha preferida seja Maluca, de Luis Capucho, lindamente gravada por Cássia Eller: “Num dia triste de chuva foi minha irmã quem me chamou pra ver, era um caminhão carregado de botões de rosa, eu fiquei maluca, por flor tenho loucura…” E ela sai para a rua, na chuva que eu imagino ser de primavera, volta carregada de botões de rosa e espalha pela casa, “na cama, no quarto, no chão, na penteadeira, na cozinha, na geladeira, na varanda…e na janela era grande o barulho da chuva”.  

Exatamente como é agora nessa primavera de 2020. O barulho lá fora é imenso. Citando Zélia Duncan mais uma vez, “se você não se distrai o amor não chega”. Vamos aproveitar a estação e encher a casa de flor. E de músicas, sempre.