Com humor afiado e talento para o improviso, Marcelo Adnet é uma das personalidades de 2020

por | dez 1, 2020 | Entrevista, Pessoas & Ideias | 1 Comentário

Uma das personalidades mais influentes de sua geração, o ator, roteirista, compositor e apresentador, Marcelo Adnet, tem chacoalhado a cena política com suas paródias cheias de crítica a figuras do alto escalão do governo e seus correligionários. Depois de destilar seu humor perspicaz imitando os postulantes a presidente nas eleições de 2018 (com “Tutoriais dos Candidatos”), quebrou a internet durante a quarentena com “Sinta-se em casa”. Exibida pela Globoplay, a série teve 60 milhões de visualizações e chegou a arrancar lágrimas (de tanto rir) de Caetano Veloso, um fã notório.

A inteligência e o raciocínio ágil, além do talento para fazer rir, tem se mostrado uma arma poderosa nas mãos deste carioca de 39 anos. Formado em jornalismo pela PUC-Rio, o humorista nunca chegou a exercer a profissão, mas traz da universidade o faro jornalístico para criar uma crônica bem humorada (e sarcástica) deste Brasil de tintas surreais. Para o “Sinta-se em casa”, foram 110 episódios, criados diariamente a partir dos assuntos mais relevantes. “Elencava os temas, criava de improviso e em poucas horas estava no ar. Foi uma loucura, mas é impressionante a força que tem o conteúdo instantâneo”, lembra.

Filho do músico Francisco Adnet – de quem acredita ter herdado o senso crítico e a capacidade para o improviso – e da ex-modelo e figurinista Regina Cocchiarale, nasceu e cresceu em Botafogo, bairro da zona sul do Rio que batiza seu time de futebol e sedia a escola de samba do coração, a São Clemente. Foi para a agremiação que escreveu, em parceria com um grupo de compositores, o samba-enredo do último Carnaval.

Em uma conversa por vídeo-chamada de sua casa, onde mora com a esposa, a universitária Patrícia Cardoso, Adnet fala desse mergulho no mundo do samba-enredo, de assuntos sérios como política, pandemia e fake news, e de como tem se preparado para o maior projeto de sua vida: a paternidade.

 

Foto Sergio Zallis | TV Globo

 

“Sinta-se em casa” foi todo gravado em sua casa, de forma improvisada, somente com a ajuda da sua esposa. Quais lições você tirou dessa experiência?

A primeira é que a precariedade e a limitação podem ser fatores muito positivos para o humor. Outra foi compreender melhor a valorosa importância dos profissionais que trabalham nos bastidores. Como sentimos falta de um continuísta, de um bom áudio… Foi um grande aprendizado fazer um programa diário, em formato de crônica e sem recursos. Só eu e a Patrícia. Não tínhamos equipamento profissional, fazia do celular… Comprei um tripé para apoiar o telefone, nem isso eu tinha.

 

Foram 110 episódios diários. De onde veio tanta inspiração?

O cenário político entregou muita cena surreal, muita notícia que dá pano para manga. Mas, em paralelo ao noticiário tradicional, temos as redes sociais, que são uma fonte inesgotável de assuntos que, muitas vezes, não são absorvidos pela televisão. É muito interessante poder levar o que bombou na internet para a TV, ou fazer o inverso. Gosto desse diálogo entre mídias.

 

Qual a função do humor em um momento como este, de crise sanitária global, descrença política e discursos de ódio?

A premissa do humor é fazer rir. Mas, claro, pode ter outras funções. A crítica é muito importante e por meio do humor pode ter um efeito muito mais poderoso e abrangente do que a crítica científica ou acadêmica, por exemplo. Mas, ao mesmo tempo, também serve para aliviar as tensões, tornar assuntos complicados mais leves. Em uma pandemia, pode nos dar um respiro, nos alienar até, dessa realidade tão dura. Talvez até nos informar em meio à tanta desinformação.

 

Você tem uma capacidade incomum para o improviso, sempre cheio de referências. É um talento nato ou requer estudo?

Sempre fui monomaníaco. Tinha pequenas manias que duravam pouco, até eu abandonar e grudar em outra. Sempre fui muito curioso com todos os assuntos. Então ia fundo até exauri- lo. Futebol, xadrez, geografia, línguas…. Acho que criei um repertório.

 

Quais línguas você fala?

Uma vez pedi para meu pai para estudar russo. Ele comprou cadernos e fitas cassete e aprendi um pouco. Falo espanhol, inglês e papiamento (língua falada em Aruba e Curaçau, no Caribe). E me viro no italiano, francês, croata…

O humorista de presidente da república, no desfile da São Clemente, no Carnaval deste ano (FOTO RIOTUR)

 

Como você cria as imitações?

Meio por osmose. No “Tutorial dos Candidatos”, eu pegava um pedaço de papel e ia anotando as frases mais marcantes ou um tique que a pessoa tinha. E ficava assistindo até absorver um pouco daquilo. É um trabalho muito semelhante ao do caricaturista, que vai pegar um nariz que é grande e aumentar mais ainda.

 

Apesar de campanhas na TV, do esforço conjunto da imprensa, a sensação é que não estamos conseguindo conter a disseminação de fake news. Você enxerga uma solução para freá-las?

A solução é educação e isso demora muito. A notícia falsa é muito sedutora, mais até que o conteúdo real, que geralmente é mais maçante, por vezes até decepcionante. As fake news são bombásticas. E já existem há tempo, né? Tinha o pessoal da indústria da fofoca e os boatos sobre celebridades. Mas naquela época o prejuízo era individual e agora é coletivo. Isso é preocupante. Há governos eleitos em cima de notícia falsa. É um quadro que só vai ser resolver quando as pessoas tiverem interesse em questionar, duvidar, buscar comprovações.

 

Como avalia a condução do governo federal na pandemia?

Péssima, pouquíssimo clara, que despreza a ciência, a pesquisa e as normas internacionais. Primeiro recomenda um remédio, agora está recomendando outro. Perdeu completamente o sentido e a moral. As pessoas não ouvem o governo federal. Ele pensa uma coisa e a população, em sua grande maioria, está fazendo outra. Está usando máscara e cobra de quem não usa, fica chocada com aglomerações. O governo está dando mal exemplo, alguns seguem, mas a maioria acho que não. Não ouve nem confia mais nele.

 

Com tem sido o seu período de quarentena?

Quem pode ficar em casa, como eu, deve ficar. Eu fiquei, radical mesmo. Não peguei Covid. Eu passei muito tempo trabalhando para lá e para cá, me movimentando. Aí a vida vem e fala: “Quer ficar de preguiça, então toma”! Foi um tempo para acalmar. Assisto a filmes, faço terapia, compus um monte de samba como nunca tinha composto. Ano passado, um cara que ficava no sofá vendo televisão era um improdutivo. Este ano é um cidadão exemplar. Mas o trabalho me toma tempo também.

 

E como estão os planos para o cinema?

Tem um longa-metragem para sair no início do ano que vem, o primeiro filme que criei e co-roteirizei. Chama “Nas Ondas da Fé” e conta a história de um rapaz, que eu interpreto, do subúrbio do Rio de Janeiro, casado com sua esposa evangélica, que o leva para a igreja e, por um acaso da vida, ele se torna pastor da igreja. Cresce lá dentro a ponto de brigar com a cúpula e ter que fundar a sua própria. Uma história de altos e baixos. É uma comédia, mas que foca mais no drama dos acontecimentos.

 

Na pele de Rolando Lero, na Escolinha do Professor Raimundo (FOTO GLOBO | JOÃO COTTA)

 

 

É verdade que você será o novo diretor de humor da Globo, no lugar de Marcius Melhem?

Não. Não quero ter um cargo executivo, não tenho interesse. Eu tenho um espírito de menino, livre. Sou do samba. Acho que para mim seria péssimo.

 

Falando em samba, como foi sua aproximação com esse universo?

Acho que minha primeira imitação, ainda criança, foi de um sambista. Na faculdade fiz um samba para o trote com um amigo, o André Carvalho. Anos depois esbarrei com ele, que me falou de outro amigo, o Gabriel Machado, que já tinha composto sambas para a Mangueira e estava formando um grupo. Disputamos na São Clemente para o Carnaval deste ano e ganhamos. Foi o primeiro que assinei, na minha escola de coração, que fica em Botafogo, bairro em que nasci e vivi durante 30 anos. Foi lindo! Depois fizemos o samba da Botafogo Samba Clube, escola do que seria a terceira divisão do samba do Rio, com enredo sobre Beth Carvalho. Este ano fui convidado para ser o carnavalesco da escola e aceitei. Nosso enredo será João Saldanha. Também entregamos um samba para a Império Serrano. Concorrência dificílima, vinte sambas na disputa. A Império é uma escola gigante, tem sambas históricos maravilhosos. É uma emoção nova.

 

Soube que até no Carnaval de São Paulo terá samba seu.

Pois é. Nessa pandemia ainda fui chamado por diferentes compositores de São Paulo para fazer parte de grupos de composição. Entramos em seis disputas e ganhamos 4! Gaviões da Fiel, Dragões da Real, Rosas de Ouro e Leandro de Itaquera. Foi tudo por Whatsapp!

 

Como tem sido a experiência?

Fazer música em grupo, e popular, é um aprendizado incrível. Foi algo que pulei de cabeça, estou amando compor. Quase um sonho de menino que virou realidade. Acho super importante eu estar na Globo, mas também na Serrinha, na quadra da Impero Serrano. Estar na premiação do Emy, em Nova York, mas também na quadra da São Clemente bebendo latão.

 

FOTO SERGIO ZALLIS | TV GLOBO

 

Como é ter Caetano Veloso como fã?

Fiz a paródia da Paula Lavigne na quarentena, que rendeu um episódio especial para anunciar a live de Caetano. Acabou virando uma amizade. Tenho tanto respeito e admiração por ele…É uma das poucas pessoas que considero realmente um ídolo. Mas sou super tímido nesse sentido. Não quero mandar uma mensagem para ele. É um gênio, por que eu vou encher o saco do Caetano? O que vou falar? Ouve meu samba? Vou ficar com vergonha. Se bem que é uma boa ideia, né?

 

De onde vem sua verve artística?

Meu avô paterno era pediatra, mas contava piada muito bem. Piada clássica, de salão, coisa que eu não sei fazer. Meu pai sempre foi uma cara mais crítico, ácido, de humor super afiado. Acho que puxei mais ele, porque ao mesmo tempo que ele é tudo isso, ele também é reservado. Ele e meus tios são todos músicos. Minhas tias cantavam com Tom Jobim. Fui à casa do Tom em Nova York, lembro de ter ficado fascinado com a mesa bagunçada, caótica dele. A música sempre foi muito presente – meu pai faz jingle, música publicitária, então sempre pensei na música como ofício. Minha mãe foi modelo, mas depois figurinista. Cheguei a pensar que seria um cara de exatas, mas logo vi que não era nada disso. O dia a dia do meu pai que fazia música sob demanda me ensinou muito e ele tinha que se virar em poucos dias, tem muito a ver com improviso, com o que eu faço. Um dia tem que fazer um forró para um sabão em pó no outro dia um samba enredo, tudo isso me inspirou.

 

Sua primeira filha, Alice, nasce em breve. Como está se preparando para a paternidade?

Acho que o melhor que posso fazer é estar disponível. Então vou tirar um mês de férias para estar junto cem por cento no início. E, claro, aprendi o básico. A botar para arrotar, a trocar uma fralda. Penso que primeiro eu posso mostrar algumas coisas do mundo para ela, mas depois eu quero é que ela me mostre. Estou ansioso para que chegue esse dia.

 

Com a esposa Patrícia Cardoso, grávida de nove meses, à espera da primeira filha, Alice (FOTO BABUSKA)

 

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1 Comentário

  1. Maucha Adnet

    Maravilha! Adorei a entrevista! Amo esse meu menino:)

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