Alessandra Negrini, estrela de “Cidade Invisível”, aponta a necessidade de preservar a cultura e o meio ambiente

por | maio 31, 2021 | Entrevista, Pessoas & Ideias | 1 Comentário

Alessandra Negrini segue atuando em trabalhos no streaming e em formatos online com resiliência e intenso dinamismo.

Na vida virtual e on demand que levamos, Alessandra Negrini está em todas. A atriz paulistana está no elenco de “Cidade Invisível”, série da Netflix que estreou este ano e narra as investigações de um assassinato, que se desenrola em uma batalha entre o mundo real e um reino habitado por criaturas folclóricas brasileiras, que vivem entre as pessoas comuns. Sua personagem, Inês, é dona de um bar em um bairro boêmio do Rio de Janeiro. A empresária se revela meio bruxa, até que mostra sua identidade folclórica – ela é a Cuca. “Nana neném/Que a Cuca vem pegar/ Papai foi na roça/ Mamãe foi trabalhar”, Inês cantarola nas cenas.

Além da bruxa, que não tem cabeça de jacaré na série – diferente das histórias de Monteiro Lobato – “Cidade Invisível” traz a sereia Iara, o saci, o curupira, entre outros personagens da cultura popular do Brasil. E se engana quem pensa que a produção foi assistida apenas por quem ouviu essas lendas desde cedo. A série foi distribuída para 190 países e esteve entre os conteúdos mais visto da plataforma em 40. “É muito lindo levar nossas histórias e as raízes brasileiras para fora. Uma aventura fascinante e eu me sinto muito honrada em fazer parte desse projeto”, conta. A segunda temporada já foi confirmada pela Netflix.

Desde que a pandemia restringiu as atividades culturais, grupos teatrais criaram peças encenadas virtualmente. Espetáculos online assumiram uma linguagem cinematográfica, criando um híbrido entre cinema e teatro. Foi o caso da peça “A Árvore”, protagonizada e produzida por Alessandra, que esteve em cartaz de fevereiro a abril no teatro Faap. A atriz interpretou uma escritora que, ao ser enredada por uma planta, começa a se transformar em uma árvore. A personagem passa a maior parte da trama dentro de seu apartamento — instalação que foi montada no teatro –, mas cenas gravadas em que ela aparece em uma floresta também atravessam a narrativa. “Tentamos fazer esse diálogo da palavra com a imagem”, explica.

 

Foto: Pablo Saborido | Amaro

Foto: Pablo Saborido | Amaro

 

Entre saudades da rua, do Carnaval de São Paulo, de estar com amigos e família, Alessandra segue encarando a realidade com sua conhecida naturalidade, mas com muito trabalho. Neste mês, estreia nos cinemas o filme “Acqua Movie”, o sexto longa do diretor pernambucano Lírio Ferreira, em que Alessandra interpreta uma mãe que viaja de carro com seu filho, saindo de São Paulo até Pernambuco em uma travessia para resgatar o afeto mútuo. Veja a seguir os principais trechos da entrevista que ela concedeu à reportagem da 29HORAS.

Sua relação com a cidade de São Paulo sempre foi intensa, como rainha do bloco Baixo Augusta e moradora. O que mudou com a pandemia? Você vê a cidade de outra forma agora?

Tudo mudou. Primeiro ficou claro que a presença da natureza é importante, vital para a sobrevivência! Comecei a reparar nas árvores, tão generosas, no meio das grandes avenidas, do ar poluído. Como fazem diferença e, às vezes, a gente nem percebe. Passei a andar muito a pé, vejo as pessoas fazendo isso, virou uma questão de saúde mental. E o que é São Paulo sem a cultura? Sem exposições, cinema, teatro, bares? O que sobra? Os parques, a arquitetura, as luzes da cidade. Temos essa beleza também, temos que reeducar o nosso olhar para uma vida do lado de fora. Toda grande cidade tem isso! Nossa cidade pode melhorar muito nesse quesito. Imagina se os rios fossem despoluídos? Que diferença!

A pobreza nas ruas também aumentou muito. São Paulo é incrível, eu amo, mas só vai ser a grande cidade que ela pode ser quando acolher a todos, sem exceção.

Qual é o seu lugar preferido em São Paulo?

É difícil escolher apenas um. Adoro o Parque do Ibirapuera, o Estádio do Pacaembu, o Edifício Copan, a Rua Augusta e o Parque Buenos Aires.

 

Paulistana de corpo e alma, Alessandra é rainha do bloco de rua Baixo Augusta; na foto, ela no carnaval de 2018 - Foto: Frâncio de Holanda

Paulistana de corpo e alma, Alessandra é rainha do bloco de rua Baixo Augusta; na foto, ela no carnaval de 2018 – Foto: Frâncio de Holanda

 

De 2013 até 2020, como foi sua relação com o bloco? O que ele representa para você?

O Baixo Augusta acabou se tornando uma parte importante da minha vida, do meu ano, aconteceu de maneira inesperada, absolutamente espontânea. Aquilo foi crescendo, crescendo e nos últimos carnavais levamos mais de um milhão de pessoas para a rua! É uma explosão de alegria e uma experiência amorosa com a cidade. Ocupamos a rua com respeito, alegria e música! Não é lindo?! Só posso dizer que tenho muito orgulho de fazer parte dessa história que, sem falsa modéstia, se confunde com a própria história do crescimento do carnaval de rua de SP. Hoje é um dos maiores do Brasil. E para aqueles que ainda insistem em falar mal do carnaval, vale a lembrança da importância econômica desse evento para a cidade.

Além do Baixo Augusta, o que mais sente falta no carnaval? Como espera aproveitar os próximos quando as condições sanitárias permitirem?

As pessoas estão com saudade de ocupar as ruas, de estarem juntas sem medo, seja lá quando for, não precisa ser no carnaval! Precisamos estar uns com os outros, senão a vida perde o sentido. Queremos trabalhar e amar, é isso o que a gente quer e é o básico! A pergunta é: se já existe vacina, por que ainda estamos assim? Por que estamos tão longe do fim dessa pandemia? Até quando teremos que ver a vida dos brasileiros devastadas? É inadmissível! Não dá nem para pensar no carnaval do ano que vem!

Por falar em protocolos, quando você for vacinada, qual é a primeira coisa que pretende fazer ou qual lugar pretende ir?

Quando eu estiver vacinada…não sei, talvez encontrar amigos também vacinados e dançar um pouco, dar risada, mas enquanto todos não estiverem vacinados, não vai mudar muita coisa.

 

A atriz em "A Árvore", projeto híbrido de teatro e cinema - Foto: Divulgação

A atriz em “A Árvore”, projeto híbrido de teatro e cinema – Foto: Divulgação

 

O espetáculo “A Árvore” foi adaptado para o formato online neste ano. Como tem sido a experiência híbrida de teatro e cinema? Como é atuar com o intermédio da tecnologia no teatro?

Acabou não sendo uma peça e, sim, um híbrido com o audiovisual. Precisávamos fazer com que existisse uma conversa. No teatro nós temos o texto, as palavras são muitas; e no cinema a imagem é o que importa. Tentamos fazer esse diálogo da palavra com a imagem. Falo muitas vezes para a câmera, o que poderia ser um recurso teatral, mas também nos preocupamos muito com a beleza e a força da imagem. Tem uma viagem na criação das imagens que é, a meu ver, cinematográfica. E a trilha sonora é bem presente e embala tudo isso. Tivemos uma equipe de teatro e de cinema mesmo, atuando e criando de forma conjunta. Uma diretora de teatro, a Ester Lacava, e um de cinema, o João Wainer, isso foi um diferencial. A luz está bem ousada. Foi uma aventura muito interessante para nós, e espero que para o público também. Fiquei muito satisfeita com o resultado.

Como é a sua relação com as redes sociais? Por que ter 50 anos é assunto? Para você, quais são os temas urgentes que precisam ser discutidos por lá?

Fui descobrindo aos poucos. No começo, eu tinha vergonha de ficar postando, fazendo cara de linda, me enaltecendo. Pensava, ‘meu Deus, que coisa ridícula, esse exibicionismo todo!’. Aí eu fui me acostumando, vendo que o jogo é esse e eu tinha que fazer parte dele mesmo. O mundo vai mudando e a gente também muda. Descobri um lado legal, que é a brincadeira, o bom humor e a relação direta com os fãs. É divertido e me sinto querida, me faz bem. Quem não gosta disso? Além de ser um lugar para defender suas ideias e convicções, mostrar um pouco de quem você é. As pessoas gostam. Comecei a enxergar na rede social um espaço eficiente de comunicação e, mesmo que eu enfrente algum dilema diante da relevância de postar uma selfie, ainda assim, quando alguém diz ‘obrigada, você me traz esperança, alegrou o meu dia’, é bacana, passa a fazer algum sentido.

Discutir idade é um assunto antigo, fora de moda. O Brasil precisa se atualizar, mas aos poucos as pessoas vão se acostumando e, quem sabe um dia, a gente vire um país adulto, como são os países europeus onde as pessoas aprenderam a desfrutar com prazer e sem culpa as suas diferentes idades. E o público me acompanha não pela minha idade. Pelo menos eu quero acreditar, acho que é mais profundo do que isso, do que essa superficialidade. As pessoas gostam de mim pelo que sou. Eu sou um conjunto de coisas, sou várias coisas, não quero ser reduzida a apenas isso.

 

Alessandra Negrini no papel de Inês, na série "Cidade Invisível", ao lado do ator Marco Pigossi - Foto: Alisson Louback | Netflix

Alessandra Negrini no papel de Inês, na série “Cidade Invisível”, ao lado do ator Marco Pigossi – Foto: Alisson Louback | Netflix

 

“Cidade Invisível”, da Netflix, traz personagens que são entidades do folclore brasileiro. Na sua opinião, como o público do streaming interagiu com essa narrativa? A série foi muito vista fora do Brasil também…

O folclore é algo vivo, são histórias que passam de geração para geração. A receptividade pelo público do streaming foi muito boa, e certamente isso tem a ver com o fato de tantos de nós termos crescido escutando essas histórias. Eu sou muito grata a minha mãe, que me apresentou todos esses personagens desde cedo. Ela era uma grande contadora de história e fez com que eu me apaixonasse por esse universo. Sobre a série, o que tenho a dizer é que é muito lindo levar nossas histórias, as raízes brasileiras, para mais de 190 países. Um orgulho mesmo!

A série também traz um recorte muito atual, da degradação ambiental e do assédio do mercado imobiliário em regiões antes preservadas. Como você vê essas questões hoje no país?

Esse é o ponto central da série e é tratado de uma maneira muito inteligente, porque nos pega pelo coração e nos faz pensar. Não temos um planeta B. Não teremos uma segunda chance, mas temos escolhas. A questão ambiental é uma questão política, social e econômica que precisa ser encarada pelos nossos governantes como algo prioritário. É a vida humana nesse planeta, é o ar que a gente respira, a água que a gente bebe, a comida que a gente come. Como isso pode não ser tratado como algo de extrema importância? Para o Brasil de hoje não é, o que me faz pensar o que será o Brasil de amanhã.

Antes de ser atriz, você estudou Jornalismo e Ciências Sociais, e foi professora de inglês. O que você traz dessas diferentes atuações?

Tudo. Tudo o que estudei e aprendi ao longo da vida me ajuda na hora de conceber um novo projeto, de preparar uma nova personagem. Me abriu a escuta, me treinou o olhar para o mundo, me ajudou a entender que a gente sempre tem algo a aprender e nunca está pronto.

Qual é o seu desejo para 2021? Já tão difícil e intenso, mas que ainda não acabou.

Vacina! Vacina para todos.

 

Foto: Pablo Saborido | Amaro

Foto: Pablo Saborido | Amaro

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1 Comentário

  1. Lais Mariano Gonzaga de Souza

    Achei super necessária a entrevista, aborda temas necessários e as respostas da Alessandra é de reflexão, fato, e compreensão, ela é maravilhosa em todos os quesitos e eu amo ser sua fã! Ela é uma fonte de inspiração! Love ya

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