Livraria Gato Sem Rabo vende apenas obras escritas por mulheres

por | jul 8, 2021 | Coluna, Educação, Entretenimento, Pessoas & Ideias | 0 Comentários

A vitrine do número 338 da Avenida Amaral Gurgel, no Centro de São Paulo, poderia ser confundida com a de outras livrarias de rua da região, se não fosse pelo seu interior. Nas estantes, as obras à venda têm uma peculiaridade: apenas a assinatura feminina. Com um acervo inteiramente composto por obras escritas por mulheres, a recém-inaugurada Gato Sem Rabo traz à luz títulos que, por décadas, foram deixados de fora das prateleiras.

O espaço, localizado em frente ao viaduto do Minhocão, foi concebido pela pesquisadora em Artes Visuais Johanna Stein. “Na faculdade, eu quase não encontrava materiais científicos escritos por mulheres. Esses textos existiam, mas eram invisibilizados pela bibliografia ‘padrão’, dominada pela masculinidade”, conta. Foi então que ela decidiu partir em busca dessas autoras. Desde 2019, Johanna desenvolve, com a ajuda de amigas, um trabalho intensivo de coleta de nomes femininos na cena literária brasileira e internacional.

 

No centro da foto a idealizadora do projeto, Johanna Stein, e livreiras da Gato Sem Rabo - Foto: Beatriz Alves

No centro da foto a idealizadora do projeto, Johanna Stein, e livreiras da Gato Sem Rabo – Foto: Beatriz Alves

 

Dessa curadoria colaborativa, saíram os mais de cinco mil exemplares que hoje preenchem as paredes da livraria. São cerca de 1.700 títulos de 650 escritoras, publicados por quase 200 editoras. A ideia é que o catálogo seja cíclico e se transforme com o tempo, de acordo com “as urgências do presente e a memória do passado”, explica.

No interior da livraria, há prateleiras para poesia, contos, biografia, artes, ciência, filosofia, romances e até seções especiais para literatura infantil e Geração Z. Segundo a pesquisadora, essa setorização tem como propósito pôr fim à noção de que as obras femininas compõem um único nicho literário. “Mulheres escreveram sobre todos os assuntos, e não apenas sobre gênero ou as políticas do corpo. Queremos que a Gato Sem Rabo seja uma prova de que não há limitações para a escrita feminina”, comenta.

 

Foto: Beatriz Alves

Foto: Beatriz Alves

 

Para nomear o estabelecimento, a inspiração veio de um texto da ensaísta britânica Virginia Woolf. Em “Um Quarto Só Seu”, publicado em 1929, a autora descreve a produção intelectual feminina como algo que causa tanto estranhamento quanto a imagem de um gato sem rabo. “As mulheres sempre carregaram esse estigma, de animal amputado, deslocado, e relegado a ausências e silenciamentos”, comenta. A pesquisadora deseja trazer às vitrines todos esses “gatos sem rabo”, que fogem ao cânone universal da literatura. “Para isso, vamos diversificar cada vez mais nosso estoque, criando um olhar curatorial a partir da perspectiva de corpos femininos, dissidentes, não-binários e não-europeizados.”

A longo prazo, o que Johanna deseja é instigar a classe leitora a uma mudança de hábitos. “Um livro parado na estante é um livro morto. É nossa obrigação fazer esses discursos circularem. Mais do que nunca, precisamos dessas obras vivas e pulsantes, para honrar mulheres que, mesmo tão desacreditadas, tiveram a ousadia e a coragem de fincar suas histórias no mundo”, finaliza.

 

Foto: Beatriz Alves

Foto: Beatriz Alves

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