O diretor Zé Celso Martinez Correa lança campanha para angariar fundos para o Oficina, a companhia teatral mais antiga do Brasil.
“Já passei por tanta coisa na vida, tenho 83 anos, mas essa realmente eu não esperava”, desabafa José Celso Martinez Correa sobre a pandemia do novo coronavírus e a situação do Teatro Oficina, a companhia teatral mais antiga em atividade, fundada por ele e um grupo de estudantes da faculdade de Direito do Largo São Francisco, em 1958.
Quando iniciou a progressiva escalada do vírus, Zé Celso e seu grupo de 60 atores estavam prontos para reestrear “Roda Viva”, encenada por eles em 2019, uma remontagem da clássica obra de Chico Buarque, escrita em 1967. A estreia da peça aconteceu no Rio de Janeiro sob a direção de Zé Celso em 1968, no ápice da Ditadura Militar.
Em quarentena desde março, o dramaturgo, um dos líderes do movimento contracultural do Brasil, vem fazendo lives, podcasts, escrevendo um livro e divulgando a campanha do Oficina para angariar fundos, já que a situação financeira do teatro se agravou com a suspensão dos espetáculos em cartaz: “Roda Viva”, que vinha com o teatro lotado, e “O Bailado do Deus Morto”, de Flávio de Carvalho, que iniciava sua temporada no histórico teatro do bairro do Bixiga. Desde 2016, ano em que deixou de receber o patrocínio da Petrobrás, a companhia enfrenta dificuldades para se manter ativa.
Sem barreiras e limites
No canal do Youtube, que tem 25 milhões de visualizações, é possível ver várias peças já encenadas e filmadas, como “Cacilda!”, “Bacantes”, “Boca de Ouro” e “O Rei da Vela”, escrita em 1933 pelo poeta Oswald de Andrade, foi levada ao palco do Oficina em 1967 e remontada em 2018 com grande sucesso de público.
Em 2015, o Oficina foi eleito pelo jornal britânico The Guardian como o teatro mais intenso do mundo. O prédio, reformado pelos arquitetos Lina Bo Bardi e Edson Elito em 1992,reflete as ousadas propostas de Zé Celso, conhecido por desafiar convenções. O público e o elenco se mesclam nas diversas galerias desmontáveis, sem barreiras. “O projeto da Lina é fruto de décadas de trabalho, porque não tem diferença de coxia, de palco, de plateia, ele foi sendo esculpido pelo movimento ao longo dos anos, é um teatro vivo”, observa Camila Mota, atriz e diretora há 23 anos na companhia.
Especulação da vida
Todo esse espaço criativo e um entorno verde belíssimo, com árvores frutíferas, são alvos da especulação imobiliária há mais de quarenta anos, com o grupo Silvio Santos à frente da disputa. O apresentador quer construir três prédios de até 100 metros de altura na região, prejudicando o teatro, que é tombado desde 2010 pelo patrimônio histórico nas esferas federal, estadual e municipal.O projeto do Parque do Bixiga, luta do Oficina e também da comunidade do bairro, busca preservar toda essa riqueza histórica, cultural e ambiental da região, inclusive um rio que atravessa o terreno.
Durante o isolamento, o movimento se manifestou nas redes sociais do Parque do Bixiga em lives como “O Parque do Bixiga contra a especulação da vida”, com a urbanista Raquel Rolnik e Casé Tupinambá, e “Cursos d’água e florestas urbanas como forças políticas”, com Newton Massafumi e Cecilia Herzog.
Zé Celso ressalta que a luta do Parque Bixiga é pela natureza, pela preservação da vida. “A pandemia nos mostrou que a coisa mais importante do mundo é a vida, não o capitalismo. E a nossa vida depende inteiramente da natureza”.
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