Chef Rodrigo Oliveira, do Mocotó, inaugura restaurante em Los Angeles

Chef Rodrigo Oliveira, do Mocotó, inaugura restaurante em Los Angeles

O sertanejo é mesmo um forte. Em meio à maior crise que atingiu o setor de restaurantes, bares e baladas, o chef Rodrigo Oliveira expande aqui pela Região Metropolitana de São Paulo o alcance de seu Mocotó e leva a gastronomia brasileira a umas das mais vibrantes capitais gastronômicas do Primeiro Mundo: ainda em 2020, ele inaugura em Los Angeles um restaurante onde pretende popularizar internacionalmente ingredientes tipicamente brasileiros como o tucupi, a farofa, o caju, o torresmo, a flor de jambu, o pequi, a goiabada, a mandioca e o queijo de coalho.

Rodrigo na lage do restaurante Mocotó, na zona norte de São Paulo (Foto Ricardo D’Angelo)

“Aqui no Mocotó – um restaurante instalado no sertão paulistano – temos em mente aquele mantra do resiliente e otimista povo brasileiro: ‘Espere sempre pelo melhor, mas esteja permanentemente preparado para o pior’. Quando a pandemia do coronavírus parou tudo, fechamos imediatamente o Mocotó, o Balaio (no Instituto Moreira Salles da Avenida Paulista) e os dois Cafés Mocotó (no Mercado de Pinheiros e no Shopping D). Foi um baque, tivemos que adaptar toda a nossa operação para um novo modelo de negócio, mas uma semana depois já inauguramos o Mocotó para Viagem, em Guarulhos, uma cozinha exclusiva para entregas. Até 2019, o delivery respondia por apenas 20% de nosso faturamento. Nos seis meses, de abril até a nossa reabertura, em setembro, ele foi a nossa única fonte de receita. Ainda bem que, de certa maneira, já estávamos inconscientemente nos estruturando para esta súbita e inesperada mudança. Graças ao delivery, não foi preciso dispensar ninguém e ainda conseguimos ampliar nosso trabalho com a comunidade onde estamos inseridos”, conta Rodrigo.

Na definição da historiadora Adriana Salay, a esposa do chef, restaurante é um lugar para restaurar as pessoas. A gente entra ali de um jeito e sai de lá melhor. É para isso que serve. E Rodrigo acredita que, se o Mocotó pode deixar melhor uma pessoa, pode também restaurar um bairro inteiro. “Durante o auge da pandemia, ativamos o projeto Quebrada Alimentada e distribuímos a cada dia cerca de 200 quentinhas com comida saudável, feita com carinho e ingredientes da melhor qualidade. Entregamos também toneladas de alimentos para associações de bairro e cestas básicas com frutas e verduras orgânicas que vêm pelo Instituto Ibia, que apoia a agricultura familiar, além de cestas de produtos de higiene. Nunca trabalhei tanto e não sei quando é que poderemos parar com essas doações, pois imagino que este cenário de desemprego e economia patinando ainda vai perdurar por um bom tempo…”, avalia.

E Rodrigo só trabalha desse jeito porque quer e porque gosta. Se ele cobrasse dez centavos de royalty a cada porção de dadinhos de tapioca servida no planeta, ele já estaria bilionário. A receita foi criada por volta de 2007, logo nos primeiros anos depois do chef assumir o comando do restaurante simples de comida nordestina que seu pai, o pernambucano Seu Zé Almeida, tocava desde 1973 na Vila Medeiros. Hoje, os apetitosos dadinhos podem ser encontrados em 90% dos botecos brasileiros e nos cardápios de restaurantes e bares dos mais improváveis lugares, como a Coreia do Sul, o Canadá e a Austrália. “Mas o que me deixou mais feliz foi ver o Albert Adrià servindo dadinhos de tapioca com trufas em seu principal restaurante de Barcelona, o Tickets”, comemora Rodrigo.

Espetinho de coração de boi com farofa de manteiga de garrafa – Foto Ricardo D’Angelo

Agora, após fazer sucesso na Europa, na Ásia e na Oceania, o chef quer conquistar novos territórios. Há cerca de quatro anos, ele foi procurado pelos executivos do Grupo Sprout, que comanda dezenas de hotéis e restaurantes na Califórnia – como o bistrô Republique e a osteria Bestia – para comandar um restaurante de comida brasileira em Los Angeles. A ideia inicial era ter o empreendimento funcionando dentro do icônico Roosevelt Hotel, que sediou em seu salão de baile a primeira cerimônia de entrega do Oscar, já serviu de residência para estrelas como Marilyn Monroe e Clark Gable e já hospedou celebridades como Charlie Chaplin, Ernest Hemingway, Prince e o casal Angelina Jolie & Brad Pitt.

Mas o prédio histórico não admitia uma série de reformas, então o grupo de investidores mudou o projeto para um outro imóvel, no Arts District. O restaurante vai ocupar um casarão avarandado, terá 120 lugares (inicialmente 70 por causa das medidas de distanciamento), uma carta de bebidas com várias opções de drinques à base de cachaça e um cardápio que vai focar na diversidade e na pluralidade do Brasil. Não será sertanejo como o Mocotó – a proposta é explorar as várias vertentes da culinária brasileira com um toque contemporâneo, mais ou menos como faz o Balaio. A cozinha será comandada por Victor Vasconcellos, que durante anos foi o chef do Balaio. Entre os destaques do cardápio estão a moqueca de caju, a peixada com molho de coco e a carne de sol com baião de dois cremoso feito com arroz e black eyed peas.

Moqueca de caju – Foto Ricardo D’Angelo

E será que o público norte-americano vai apreciar a comida brasileira? A expectativa é que, como os californianos já são muito abertos aos sabores mexicanos, coreanos e japoneses, as receitas brasileiras não sejam um grande choque. O importante é que os clientes cheguem sem preconceitos, a fim de conhecer novos temperos, aromas e texturas. “Um crítico gastronômico inglês uma vez disse: ‘Adoro a comida italiana. O único problema é que, três dias depois, a gente já sente fome de novo’. Eu já sofri muito com esse preconceito. Muita gente não ia ao Mocotó porque a comida nordestina – principalmente a sertaneja – tem essa fama de ser pesada e muito forte. Quando mal executada, é indigesta mesmo. No Mocotó, a gente não usa caldo industrializado, toma cuidado para que cada ingrediente seja cozido no ponto certo e controla o uso de sal e de outros condimentos. Aí a nossa comida nordestina fica mais delicada, saudável, gostosa e fácil de digerir. Não tem nenhum grande segredo. Eu não promovi revolução nenhuma na culinária nordestina, apenas favoreci uma certa evolução, agreguei um pouco de técnica aos preparos originais e passei a utilizar ingredientes da melhor qualidade, preservando os sabores e a potência dessas receitas clássicas. Nos Estados Unidos, nossa comida será apresentada sem firulas, sem caricatura, sem pirotecnias ou exotismos tipo Carmen Miranda. Não é por aí”, avisa Rodrigo.

Com essa iniciativa, Rodrigo será um dos primeiros chefs desta safra mais jovem a colocar a comida brasileira em alguma “vitrine” global. Em breve, a paranaense Manu Buffara deve inaugurar o seu restaurante em Nova York. Nesse momento, está acontecendo um grande ‘boom’ da cozinha latina no mundo, mas o Brasil ainda não se posicionou. O Peru e México lideram o movimento. Tem o Lima London, do Virgilio Martínez (do limenho Central), em Londres, tem o Enrique Olivera (do mexicano Pujol) abrindo o Cosme em Nova York e tem ainda o argentino Tomás Kalika, que em breve inaugurará uma filial do portenho Mishiguene em Miami. São restaurantes que fogem dos estereótipos da comida latino-americana. São casas de alta cozinha, em localizações privilegiadas, com ambientes lindos, serviço acolhedor e muita visibilidade em termos de repercussão e mídia. “Acredito que esta é uma obrigação para nós, para os chefs da minha geração. O Brasil também precisa comparecer, ter seu espaço e mostrar seu valor”, opina Rodrigo, que ainda mantém em segredo o nome de seu novo restaurante angelino.

Foto Balaio-IMS | Carol Gherardi

Enquanto a alta gastronomia volta a pisar no acelerador lá fora, aqui no Brasil a situação é bem diferente. O setor foi gravemente afetado e segue sofrendo um grande encolhimento, com estabelecimentos históricos fechando suas portas definitivamente, como os estrelados Tuju e Olympe. Rodrigo é uma das raras exceções nessa onda negativa. O consumidor mudou seus hábitos, e muita coisa não vai voltar tão cedo a ser como era antes. A gastronomia não será a mesma quando e se chegarmos um dia ao tão falado “novo normal”.

“Este período diferentão que vivenciamos por causa da pandemia foi uma fase de muita reflexão, muito aprendizado e muito amadurecimento. Meu trabalho foi afetado diretamente. Tudo o que eu faço aqui no Mocotó, no fundo, é para reunir as pessoas, e reunir pessoas praticamente virou crime. Mas aproveitamos esses meses para crescer, para nos fortalecermos e nos tornarmos melhores. Vamos apostar cada vez mais no que é essencial, na qualidade de vida, na saúde. Saúde é o que existe de mais importante. A minha, a sua, a dos nossos clientes, a da nossa equipe, a dos nossos vizinhos e a dos nossos fornecedores. Precisamos manter a cadeia se movimentando – para alguns pequenos produtores, o Mocotó representa 80% de sua renda. Vamos seguir apostando em uma comida bem-feita, saborosa, potente e autêntica. É isso que as pessoas esperam quando vêm aos nossos restaurantes. A experiência vai mudar por causa de protocolos sanitários? Sim, e isso não será um problema, será uma solução. Mas a nossa essência e a nossa raiz não vão mudar. Somos 100% brasileiros, mesmo quando estamos em Los Angeles”, finaliza o chef.

Mural no restaurante Mocotó, com os mesmos desenhos e dizeres que são usados nas embalagens do serviço de delivery do restaurante – Foto Ricardo D’Angelo

 

Revista Online: Edição 130 – SP

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